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O Anãozinho de Jardim

Livros e Desvarios

O Anãozinho de Jardim

Livros e Desvarios

Diário de Viagem da Li Li - Conto

HRM, 10.09.18

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A vida é uma aventura.

 

Foi isso que o tio Chen me escreveu numa carta, um dia. É um conselho muito sábio, mas meu papai, Chon Po, não acha isso não. Ele diz que eu passo tempo demais sonhando com o mundo exterior, e que eu ignoro toda a beleza da Ilha Errante. Ele não poderia estar mais enganado... eu realmente amo minha terra natal.

 

E foi por isso que eu fiz este diário. Eu pensei assim, bem, se eu quiser me tornar uma grande exploradora como o tio Chen, eu preciso começar a escrever sobre minhas próprias aventuras, que nem ele faz. E por que não começar em casa? Talvez meu livro vá parar na Grande Biblioteca um dia, enfiada entre as cartas do tio Chen. Ah, melhor ainda, quem sabe no futuro o pessoal de Ventobravo, Orgrimmar ou outro lugar distante vai ler isto aqui e aprender sobre o meu povo, minha cultura e as coisas que fazem este lugar ser tão legal assim!

 

Mas vamos começar do começo. Eu nasci na Grande Tartaruga, Shen-zin Su, também conhecida como Ilha Errante. Hoje em dia, a maioria dos pandarens daqui só faz ficar sentado nos seus traseiros gordos, contando as mesmas historinhas velhas, mas não foi sempre assim. Nossos ancestrais tinham a aventura no sangue. Para eles, cada dia que passassem na ilha era mais uma chance de ver coisas novas e criar novas histórias!

 

Enquanto escrevo isto aqui, o tio Chen está honrando a nossa tradição em algum lugar do mundo, mas ele não é o único. A Trilha do Viajante também me chamou, mesmo aqui em casa, e finalmente chegou a hora de atender a esse chamado!

 

Meu nome é Li Li Malte do Trovão, e esta é a Ilha Errante. (....)

 

O resto continua aqui. 

Elegy de Christie Golden - Uma novela do universo World of Warcraft

HRM, 17.08.18

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Como ontem deixei-vos a pequena novela do lado da Horde, hoje tinha que vos trazer a perspectiva do lado da Aliança e nesse sentido esta história chama-se "Elegy" e foi escrita pela Christie Golden (que costuma contribuir frequentemente como autora dos livros deste universo gigantesco). 

 

Esta novela está, igualmente, disponível gratuitamente no website da Blizzard e está em inglês. Ainda não a li porque comecei pela Horde, mas sou fã do Anduin Wrynn (já era fã do Varian Wrynn e fiquei chateada à brava por ele ter morrido no Legion) e espero que não venha a padecer da mesma desgraça que assolou o pai. A ver vamos, até lá estaremos atentos às historias que vão sendo publicadas.

O Segredo do Andarilho - Um conto de Luciano Azevedo

HRM, 05.01.17
Versão PDF - Versão EPUB

«No meio daquele deserto, sertão ou coisa parecida, não se sabe quando nem porque, montaram um parque de diversões.

Havia roda gigante, trem fantasma, carrossel e outras coisas, mas não havia ninguém... Nunca houve.

Durante o dia não se podia vê-lo. Ele simplesmente desaparecia... À noite, as luzes dos brinquedos misteriosamente se acendiam

Caríssimos amigos, apresento-vos então o conto do autor Luciano Azevedo, que participou no desafio - Fantasia Negra - de Setembro de 2016 e desde já gostaria de agradecer ao Luciano, por autorizar a publicação e partilha do seu conto aqui no blogue.

Como este conto é mais extenso do que o habitual para um post, disponibilizo-vos a versão em PDF e EPUB.

Um grande bem haja Luciano e votos para que continue a escrever sempre. :)

Contos de Natal Portugueses

HRM, 07.12.16
Clicar Aqui

Anda por aí à procura de contos de Natal para celebrar esta época do ano quando, de repente, deparei-me com esta coletânea interessantíssima disponível na Luso-Livros.net.

É uma compilação de textos, histórias, poemas e lendas escritas por vários autores clássicos Portugueses e disponibilizada gratuitamente.

Espero que gostem.

Aziel ✯ Por Ellie S. Harper

HRM, 24.03.16

Autor desconhecido
 
 
A humanidade…

Provavelmente o bando mais curioso a caminhar sobre a terra.Peões, na eterna batalha do Bem contra o Mal. Ou pelo menos é o que dizem. Nósnunca o vimos dessa maneira. Bem… Mal, Preto, Branco, Fogo, Água, Óleo eVinagre. Por vezes os meus pensamentos deambulam por estas noções, prendendo-senestas imposições rígidas e lamentáveis. Alguns acusam-nos de imprudentementelhes termos concedido o dom do livre arbítrio arrastando-os para este conflitocelestial sem pensar nas consequências de tal ato, mas eu acredito que agimosda forma como devíamos, mesmo que nos olhem como vilões.

Vilões… o que diabos se passa com esta Humanidade e com osseus conceitos absolutos em que um elemento só pode ser definido por outro quese lhe opõe?

Há muitas cores num arco-íris, sabem?

Nem tudo pode ou deve ser definido por oposição; se não ébom então é porque deve ser mau.

É preciso ser-se muito míope para advogar tal perspetiva…

No inicio não havia uma guerra. Por vezes tínhamos algumaspequenas disputas é certo, mas eram meras querelas inconsequentes entre façõesque pensavam de maneira diferente. Nada de inquietante, depois apareceu aHumanidade. Apropriaram-se do nosso domínio, começaram a utilizar a sua próprialinguagem, espalharam-se por todo o lado com os seus costumes e criaram umenorme desequilíbrio na nossa ordem.

O nosso Pai chamou-lhes a Sua Criação. A Sua orgulhosaCriação… confesso que tal entusiasmo não foi assim tão bem acolhido pela nossaparte. Daí que aquilo que, anteriormente, começara como uma ligeira divergênciade opiniões, na verdade inofensiva na sua essência, rapidamente escalou para umconflito.

A Humanidade até podia ser a Sua Criação, mas eramos nós quetínhamos de tomar conta dela e nós achávamos que esta barganha estava muito longe deser justa.   

 A discórdia que seinstalara entre nós crescia à medida que o tempo passava e quando a fenda quese abrira se tornou intolerável, fomos forçados a escolher um dos lados. Eu tivede escolher. Todos tivemos de escolher.

O meu lado decidiu revoltar-se e defender aquilo em queacreditava. O outro lado, resolveu fazer exatamente o mesmo e o confronto tornou-seinevitável. Não vos sei dizer se está certo, ou se está errado, mas possodizer-vos que nesse dia aprendemos uma das lições mais valiosas e mais importantesda nossa existência; defender aquilo em que acreditamos tem sempre um preço apagar, ou se paga com a vida, ou se paga com a alma. Para nós foi a perdição. Eo teu? Qual será?

O meu nome é Aziel, sou um dos caídos e tal como muitos dosmeus irmãos e irmãs também eu estou condenado a vaguear pela terra até ao finaldos tempos e a ser caçado como um animal. Os humanos chamam-nos demónios, ossombrios, os caídos em desgraça e por isso perseguem-nos sem dó nem piedade. Sem sequer se aperceberemque estão a fazer o trabalho sujo de outrem.
 
(nota: tradução HRM) 
Licença Creative Commons
 
O trabalho "Aziel" de Ellie S. Harper está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Ainda te quero ouvir ✯ Por Luciano José de Azevedo

HRM, 09.03.16
Autor desconhecido


- Ah, Aline, minha deusa:- continua ele, sorrindo, aoatravessarem a avenida. - Acaso não sabes tu que a beleza embriaga?

Ela ri.

- Pára com isso, menino! Eu não sou nenhuma deusa, edeixe de falar desse jeito. Parece até um personagem daqueles livros antigos...

Ele finge não ouvi-la, mas elimina o sotaque lusitano.

- O seu andar é gracioso, este chão em que pisa comseus pés delicados é um chão abençoado, e seus cabelos, complementos divinos dacandura de seu rosto, são como provas vivas de um Universo em harmonia.

- Deixe de coisa, seu doido! :- diz ela rindo, e dandoum tapinha em seu ombro. - Meus pés são feios, meu cabelo tá sujo e com cheirode fumaça.

- Pode até ser, mas na essência são divinos, comovocê.

- Ah, "seu José", você não existe mesmo...Mal me conhece e fica aí, me dizendo essas coisas...

- Mal lhe conheço?

- É, eu sei, você mora na outra rua, nossos pais seconhecem, você me vê voltando do trabalho quase todos os dias... Mas você não meconhece, realmente. Não sabe quem eu sou.

- A admiração que sinto por você não requer um conhecimentoprofundo de sua pessoa. Afinal, também admiro o Sol poente, embora desconheça oque há em seu âmago.

- Porque insiste em falar assim, Zé? Diz pra mim, eutenho cara de mulher romântica?

- Não faça pouco de um homem apaixonado! :- continuaele. – Sua beleza me consome, e por isso sofro.

Ela balança a cabeça negativamente, rindo, e diz:

- Tá vendo porque é que te chamam de Zezinho? É porquerima com doidinho... Gente igual a você é capaz de se apaixonar até por umapedra.

- A mim não interessam as idéias errôneas que possater a meu respeito. O importante mesmo é poder ver seus lábios se mexendo, ouvirsua voz massageando meus ouvidos.... Enfim, estar aqui ao seu lado.

- Eu tenho namorado, sabia?

- Mentira! :- grita ele, sorrindo.

- Tá bom, então não tenho! :- diz ela, também rindo. -Não tenho, não é, Zé?

- Não, não tem. Nenhum dos abutres que te cercam estáà sua altura, e você sabe disso. A mediocridade é como um pássaro de vôo baixoe pesado.

- É, e o que mais sabe sobre mim? Será que você não éum tarado? Um pervertido que usa a poesia como pele de cordeiro?

- Aline, meu anjo, sou um tarado sim, mas um taradopela vida, e consequentemente, um excelente observador.

- Aí é que você se engana, meu bem... Nem todo bomobservador é um apaixonado pela vida. Aliás, eu acho que uma coisa não tem nadaa ver com a outra.

- Eu me refiro àquela categoria de excelentes observadoresà qual eu pertenço, minha musa. Aqueles que vêem o brilho exuberante das galáxiascontidos numa minúscula esfera de vidro... Que compreendem as forças danatureza ao verem um inseto preso à teia de uma aranha... Que...

Ela o interrompe:

- Tá bom, desisto, antes mesmo de começar; não voudiscutir filosofia com você.

- Compreendo seus temores, mas estou do lado do bem,por isso vivo tranquilo.

- Ai, ai...:- diz ela, suspirando e levando a mão aoscabelos. - Eu só estava te provocando, Zé. Você é um cara estranho, meio antiquado,mas é boa companhia. Quando me chamou pra conversar eu poderia ter negado ouinventado mil desculpas ao longo do caminho pra te dispensar, mas não fizisso... Estou aqui, ouvindo essas coisas que você diz.

- E por que? :- pergunta ele, com um sorriso maroto.

Ela olha para o chão, com olhar vago, e responde:

- Não sei, deve ser porque sou doida... Tão doidaquanto você. Ou então é porque estou carente de alguém que possa me ouvir, de verdade,sem me taxar de chata ou rir da minha cara.

Após dizer isso, olha para ele de soslaio e diz,sorrindo:

- Mas não "viaja", hein, Zé? Não confundadesabafo com declaração de amor.

- Aline, o amor que sinto por ti é involuntário. :-diz ele, com ar teatral, encostando a mão no peito. - O ideal seria vivê-lo, masse não posso, que remédio, a não ser sofrer por ele?

Ela permanece em silêncio. Sua atenção está voltadapara algo que vem logo à frente e parece irritá-la.

Um motoqueiro empina sua moto e passa por eles num instante,fazendo muito barulho.

- Retardado! :- comenta ela, balançando a cabeça,séria. – Tem gente que não mede esforços pra aparecer.

Após alguns instantes, José diz:

- O que é que está te aborrecendo?

- É esse barulho horrível... Odeio quando fazem isso!

- Mas não há mais barulho. A moto já está longe,esqueça-a.

Ela suspira e diz:

- Acho que ando meio doente...

- ??

- É tpm crônica, Zé... Tudo me irrita. - dá uma pausae continua: - Menos você... Por enquanto. :- completa, rindo.

- Se acaso ficar zangada, minha querida Aline, apenasdiga "basta!" e eu lhe deixarei seguir sozinha por estas ruassinuosas.

- A essas horas da noite eu prefiro andaracompanhada...

- Que assim seja, então. É uma honra poder caminhar aoseu lado.

- Você não se cansa de falar assim, como um ator deteatro?

- Eu não posso e nem quero me dirigir a você usandogírias ou qualquer outro vocabulário tosco. Seria como tomar um gole de vinhonobre num copo de plástico sujo.

- Mas eu também falo gíria e palavrão. Não sou umamenininha doce e muito menos essa "deusa" que passeia pela suacabeça... Será que enxerga bem?

- Ora essa, se nesta terra de tantos amores edissabores há aqueles que tratam as pessoas como gado e há aqueles outrostantos que aceitam serem tratados como tais, porque não se poderia optar pelo opostoe considerar alguém como uma divindade? Nenhum de nós é um mero amontoado deossos, carne e sangue... Somos partículas estelares, seres divinos.

Ela torce o nariz, com um sorriso fraco.

- Vou discordar de você. Tem muita gente neste mundoque não tem nada de divino.

- Aline, até as bactérias são seres celestiais; é umaverdade universal, por absurdo que pareça.

- E bota absurdo nisso! :- completa ela.

Eles ficam em silêncio por um instante apenas, até queela diz:

- Zé, sabe o que você me faz lembrar? Aquele tal deDon Quixote, que andava pra cima e pra baixo usando armadura e falando de castelose gigantes...

- Você já leu esse livro?

 
- Não, mas desde criança ouço falar dessa história...Pra ser sincera, nunca conheci ninguém que o tivesse lido, inteiro. Também, pudera,é um livro mais grosso que a bíblia! Se eu tivesse começado a lê-lo quandocriança, só terminaria quando meu primeiro bebê nascesse.

Ele ri.

- Que exagero, Aline! Uma boa história nunca é longa,acredite.

- Mas cá pra nós:- comenta ela, com malícia. - Vocêtambém nunca leu, hã?

Ele sorri, meio sem jeito e diz:

- Confesso que não, mas já tive em mãos grandes obrasde grandes mestres literários... Brasileiros, portugueses e também espanhóis, comoo próprio Miguel de Cervantes.

- Quem é esse?

- O autor de Don Quixote! Você acredita que um amigomeu me confessou que achava que esse livro era de autoria de Paulo Coelho?

Aline começa a rir, às gargalhadas.

- E eu achando que era burra...

- Mas me diga, o que a aflige?

- O que me aflige?

- Sim. Não me disse que precisava de alguém que lheouvisse? Estou aqui, então diga-me: o que lhe vai na alma?

- Sinceramente, já não sei se quero derramar meusdramas sobre você, Zé... Não ainda. Acho que estou começando a gostar de suacompanhia... Não acredito no que vou dizer, mas... pode continuar a falar"daquele jeito".

Ele sorri agradecido e diz:

- Não quero ser presunçoso, mas eu já esperava porisso. Há muita aspereza verbal circulando por aí, como se não bastasse todo olixo sonoro que esbofeteia nossos tímpanos, dia após dia. Os ouvidos destacidade clamam por afago.... Inclusive os seus.

- É, acho que tem razão... Pode até ser meio babaca,mas isso me traz mesmo uma certa paz de espírito.

- Não é babaca, é apenas simples, um cantarolarsingelo, desprovido de interesse maior que não seja o de tocar a alma de quem oouve... E neste caso em especial, esse alguém é você.

Ele faz uma pausa e continua, retomando o tom teatral:

- Você, minha estrela da manhã... Menina mulher,sutilmente pueril e sensual, de olha felino, encantador, e lábios carnudos econvidativos... Você que parece desconhecer o poder que tem de provocar umgrande rebuliço na cabeça de um homem...

Ela o interrompe, exprimindo um sorriso lisonjeiro, edesconversa:

- Ah, Zé, deixa de onda... Fale sobre outras coisas,agora.

- Modéstia à parte, o meu repertório é vasto... Dirijameu show, minha querida... Escolha um ou mil temas, ao seu bel prazer.

- Tá bom, então quero que fale sobre...:- ela faz umapausa, sorridente, e erguendo a cabeça com um dedo sobre o queixo, pensativa. -Flores!

- Flores? :- pergunta ele, rindo. - Pedir a um poetaque fale sobre flores é como pedir a um pescador para que fale sobre o mar.

Ela ri, desta vez sem um motivo aparente, deixando-ocurioso.

- Você é o primeiro cara que conheço que não se sentemenos homem por mostrar-se sensível.

- E porque ri?

- Porque por um instante imaginei como seria ver umcara que conheço e que faz o tipo machão tentando bancar o poeta e falando justamentesobre flores.

- Eu creio que todos temos habilidades infinitas, :-diz ele, sério - adormecidas em lugares ainda obscuros de nossas mentes, com potencialpara fazer com que cada um de nós seja um minúsculo depositário de todo o conhecimentoe habilidade adquiridos durante toda a história da humanidade até os dia dehoje.

Ela ri outra vez.

- Você não está querendo me dizer que o Tonhão tambémpoderia escrever poesias?

- Não conheço esse seu amigo, mas aposto que sim, damesma forma que uma bailarina poderia pilotar um submarino de guerra.

- Você é bastante otimista.

- E porque não ser? :- rebate ele.

Nesse momento, eles avistam dois jovens vindo em suadireção, e se comportando de maneira estranha. Ao aproximarem-se, percebe-se queestão alterados, e com olhares apreensivos e desconfiados remexem o conteúdo deum pacote de papel que carregam, com mãos trêmulas.

Aline e José fingem não notá-los e prosseguem.

- Pode começar. :- diz ela, então.

- Se é o que quer vou falar sobre flores, mas nãoespere por um manual de botânica, pois confesso que na verdade sou um leigo no assunto.

- Não me enrole, Zé, você é um poeta. E não precisafazer rimas, apenas fale como fez até agora.

 

Ele abre os braços e as palmas das mãos de maneira engraçada e começa, pronunciandoas palavras devagar:

- Flores, flores, flores... Flores que crescem nascampinas, abençoadas por céus sorridentes, flores que colorem os jardins mais diversos,que com suas cores e odores nos fazem sonhar, sorrir e lembrar, que nos enchemde alegria, mas também melancolia, como quando as oferecemos a alguém que maistarde nos decepciona, e então nos vemos obrigados, com amargura, a recordar...Flores maravilhosas e desconhecidas, do começo dos tempos, que não se permitiramregistrar pelos pretensos humanos, flores que reinavam exuberantes, abundantes,como os próprios dinossauros, flores ancestrais, das quais descendem as atuais:tulipas, violetas, rosas, margaridas, girassóis, jasmins e outras tais... Flores,extraordinários vegetais, com tal poder místico de sedução sobre os pobresmortais, que já testemunharam, com toda sua beleza selvagem, movimentos edoutrinas inspiradas em seu nome. Flo...

Ela o interrompe outra vez, tímida, temendo que ele seaborrecesse com sua intromissão.

- Zé, agora fale sobre sonhos.

Ele não se incomoda nem um pouco e sorrindo, começa:

- Sonhos... De que são feitos afinal? Tão distantes esempre tão presentes... Um sonho pode ser árduo para alguns, inatingível paraoutros e impensável para outros tantos, mas de qualquer modo, sempre necessárioa todos, mesmo os que nele não acreditam... Sonhos infantis, sonhos simples,mesquinhos, torpes, mirabolantes, fantásticos, utópicos, enfim, todos eles sãosonhos, preenchendo tentadores, os desertos da alma humana.... Errados sãoaqueles que subestimam os sonhos, pois graças àqueles mais loucos é que nós, comohumanidade, avançamos.... Há também os que sonham demais e tiram os dois pés dochão, mas quando despencam lá, das estupendas alturas, caem direto num segundo,nos braços indiferentes da desilusão.... Quão insuportável, porém, seria avida, se não pudéssemos projetar nossos desejos mais íntimos na acolhedora telada esperança...

- Sobre a desilusão. :- pede ela, em voz baixa.

- Desilusão, desilusões... Tantas são elas...Desilusões amorosas, que machucam tantos corações.... Desiludidos, os anjoscaídos só enxergam então, os céus tristonhos de nuvens cinzentas....Desiludidos, os heróis foram vencidos, ao abandonarem a luta, por perderem afé... A desilusão é uma criatura sádica, que nos dá um tremendo choque e depoissuga nossas forças. Ela é...

- Sobre o futuro... :- pede Aline, interrompendo-onovamente.

- O futuro, esse amanhã que nunca chega, que nos enchede esperanças e temores mil, que por definição sabemos: é algo que jamais alcançaremos,mas para o qual toda uma vida nos preparamos, com ou sem aflição. Futuro... Umcampo vasto de promessas sem fim, grande palco de projetos audaciosos, de todaespécie, terreno fértil onde se semeiam ideias das mais tresloucadas, nascidasnas cabeças de nobres e vagabundos, de artistas, cientistas, engenheiros,arquitetos, de descontentes, de solitários, de multidões inquietas, de líderesaudazes... Futuro.... Aguardado por muitos, como prova do sucesso, a floradadas sementes que hoje se plantam.... Temido também por muitos, por simbolizar amorada do imprevisível, do que ainda não veio, e por isso mesmo angustiante,assustadoramente indiferente e vil.... Ameaçador por um lado, brilhantementepromissor em seu extremo oposto, por ser também o lar das sedutoras quimeras, oreino encantado dos ideais alcançados.... Das sociedades perfeitas, com suascidades cintilantes... O reino da justiça infalível, para todos, do amor semfronteiras, da vida plena, para sempre distante da opressão, da miséria, dafome, da dor...

Nesse momento Aline toca em seu ombro, com os olhosvoltados para o céu, e inspirada, diz:

- Zé, agora fale sobre o Universo.

- Vastidão vasta, vastíssima... Que colocaçãoridícula! Mas como exprimir o inexprimível? Para um único indivíduo, um bairroé grande, uma cidade é de uma imensão absurda, um país é um exagero de gigantesco,os continentes são vastidões extraordinárias, tremendas; o planeta é umassombroso globo de proporções estonteantes, aparentemente sem fim, e no entanto,toda essa sua inacreditável grandeza figura apenas como um minúsculo pontinho,quase invisível, flutuando feito um grãozinho de poeira insignificante numa daspontas de uma galáxia, esta que por sua vez poderia já ser o próprio Universo,tamanha a sua magnitude, mas que, dadas as proporções, também não passa de umatosca fagulha suspensa num negrume avassalador e humanamente impossível de sercompreendido em toda a sua totalidade... Não se pode falar sobre o Universoverdadeiramente, pois não o conhecemos absolutamente... Tudo o que sabemossobre ele é tão insignificante quanto nós mesmos... É irrisório, é uma lasca,um quase nada sobre o verdadeiro Todo... Mas falemos então do que achamos queconhecemos, façamos dessa imensurável vastidão abismal um lugar para ondepossamos transferir toda nossa pretensão fantasiosa e quem sabe, assim, termosum pouco de amparo consolo para nossa patética condição de insignificância...Vamos a elas, as viagens ultra longínquas e fantásticas através do cosmo, quenos fazem ver as monstruosidades estelares em todo o seu esplendor se delas nosaproximarmos, mas que também nos permite ainda assim contemplá-las comadmiração juvenil, como estamos fazendo agora, vendo apenas pontinhos fixos ebrilhantes no céu, que nos enchem de tranquilidade e esperança... Cometas,quasares, pulsares, galáxias e mais galáxias aglutinadas, desenhando pitorescasfiguras no vácuo sideral; meteoritos, asteróides, buracos negros, buracosbrancos, estrelas que nascem, estrelas que morrem, planetas dantescos, commares de lava, planetas desertos, escuros, sombrios, gelados, ensolarados,verdejantes, habitados, estranhos, paradisíacos, horripilantes, planetasviventes, pensantes, planetas espirituais, paralelos, diferentes... Luas e maisluas, todas fiéis às suas órbitas, humildes, pacientes, testemunhas tranquilas deacontecimentos diversos... E elas, as catástrofes siderais, irradiadoras deestupendos fenômenos luminosos, embriagantemente belos e caóticos, encantadorese paradoxais, capazes de realizar devastações impensáveis... Cometas... Cometasque rasgam nossos céus noturnos em espaços de tempo que podem durar muitasvidas... Eclipses, curiosos eclipses, que nos lançam nas sombras e nos mostram quemsomos, criaturas patéticas fugindo dos raios de luz que sondariam nossasalmas... Universo, o que você é, afinal?

Qual o seu propósito, a que veio e para que? O quehavia antes de ti? O que há além? Tu és único? Faz parte, também, de um grupomaior? Não, não me diga que é também um grão, um grãozinho irrisório flutuandoem algum cantinho qualquer, feito um cisco? Faço-lhe muitas perguntas, mas porfavor, não responda a todas elas assim, de pronto... Talvez eu não queira mesmoque responda a nenhuma delas... Não; responda então, se vontade tiver, a todosos zilhões de seres inteligentes que abriga, até o infinito... Todos eles e aomesmo tempo, pois ninguém suportaria, sozinho, tomar consciência de tal revelação.

Desta vez ela sabe que não o interromperá, pois elefica em silêncio por um tempo considerável, demonstrando haver terminado.

- Muito bem, "seu José". :- diz ela derepente, um pouco nervosa.

- Você é mesmo eclético... e um pouco chato também.(ri, ri, ri);  tô brincando, eu amei.Então tá, vou satisfazer o seu desejo, agora: fale sobre o que sente por mim...

José, até então aéreo, de repente se recompõe, com umbrilho diferente nos olhos, feliz da vida.

Ele começa:

- Aline, adorável Aline, que outrora talvez houvesseme julgado um objeto açucarado e pegajoso, tal qual um chiclete que lhegrudasse na sola do sapato, inconveniente e desagradável, mas que agora me permitesobre sua pessoa falar, me deixando livre para exprimir o que sinto, o quecarrego sôfrego neste coração pesado, desejoso de viver o amor, mas o seu amore não outro... Ah, Aline, quero enfrentar as agruras da vida ao teu lado, cair,chorar, me levantar e sorrir, junto a ti, sempre... Sei que teu corpo, belo efrágil corpo, está preso a esta terra, como o meu, mas peço-lhe, Aline, não mecensure se eu vez ou outra insistir em te elevar nas alturas, feito uma imagemdivina... Pode gritar, indignada, esbravejar contra tudo e todos, zombar daarrogância masculina e de todas as normas estúpidas de conduta, enfim, faça oque quiser para se desvencilhar de todas as coisas que lhe parecerem ridículase pré estabelecidas, mas não me peça para não ver, em seus lábios arqueados, umsorriso doce e angelical, ou em suas mãos tenazes, a delicadeza de seus dedosfinos e a maciez de sua pele viçosa. Esqueça o tempo, deixe que passe e levedevagar, muitos anos de nossas vidas, pois não é apenas teu nariz, teus olhos etuas pernas que amo, mas sobretudo algo que parece ser inerente a ti, de um modoinexplicável...

Aline até então prestara atenção a cada uma daspalavras dele, mas um sentimento gradual de afeição surgira em seu ser e iaganhando espaço, com força crescente, deixando-a um pouco distraída, por ver-seperdida de repente em conjecturas a respeito do que pretendia fazer.

Surpresa, ela então experimentava em si o nascimentode um desejo. O simples desejo de beijá-lo.

Beijar José... Por que não? Estava longe de ser o seuideal de homem, mas... Algo nele, o seu jeito, as coisas que dizia, ainda queconfusas e engraçadas, o modo como se dirigia a ela, tinham de algum modo patéticoconseguido trazer um certo brilho àquele pedaço de noite.

Ela toma finalmente a decisão e se prepara parainterrompê-lo pela milésima vez, mal esperando para ver qual seria a reação dorapaz ao saber o motivo desta sua nova intromissão.

Espera paciente pelo término de uma frase e então ochama:

- Zé...

Nesse momento, porém, algo absolutamente inesperadoocorre.

Um homem surge de repente de uma esquina e passacorrendo em desespero, ao lado de José. Correndo atrás dele, bem mais distante,um outro homem efetua três disparos... Nenhum deles acerta aquele que corre,mas o segundo disparo atinge José em cheio na cabeça, lançando-o ao chãobrutalmente, já sem vida.

A grotesca e repentina visão de seu corpo no chãodeixa Aline em estado de choque, incrédula. Não é possível que ali, estirado nacalçada, está José... O "Zé", que ainda há pouco a deixara admira da,que mexera com seus sentimentos e estava prestes a ganhar um longo beijo naboca... Sua face, num segundo, assumira a expressão da morte. Morte horrível,estúpida, sem nexo.

Ela grita em desespero, aos prantos, enquanto toca o rostoensanguentado do rapaz, ajoelhada diante dele, estarrecida.

Tudo se passa em instantes... O perseguidor passa poreles, veloz, mas desiste rápido, pois o outro já sumira em direção à avenida,certamente repleta de potenciais testemunhas.

Aline dirige sua atenção a ele, com ódio visceral.

Que espécie de figura asquerosa, imunda, bestial,poderia ter sido capaz de arrancar a vida de José daquela maneira? Que animal seriaesse que interrompera suas palavras com um gesto tão brutal?

Um tiro! Um tiro o interrompera... E pensar que seriaum beijo!

O assassino, de fisionomia nada simpática, aproxima-see a encara, com um meio sorriso imbecil, levando um dedo à boca como a pedir(ordenar) para que ficasse em silêncio, sem ao menos olhar para o corpo inerteno chão.

Ele abandona a cena tranquilamente, com a arma aindaem punho.

Ela está abobalhada com tudo aquilo. Daria tudo parater de volta a agradável companhia de José. E daria tudo para ter de volta o "seuinstante". Tudo mesmo.

- ... Zé? ...!!

O homem já está prestes a dobrar uma esquina... Aline,num gesto louco, levanta-se rapidamente e vai atrás dele, aos berros.

- Õ animal!

O homem se volta, parecendo surpreso.

- Seu desgraçado, não viu o que fez? Seu lixo!

Ele esboça um sorriso cínico.

- Pega leve, mocinha, ou te apago agora mesmo.

Ela continua se aproximando, sem medo, e o provoca:

- Então me faça esse favor, seu merda, porque eumarquei a sua cara e não vou deixar isso passar em branco! Vou fazer o quepuder pra ferrar com essa sua vida inútil!

O homem parece mesmo surpreso. Aquela maluca estavapraticamente pedindo para morrer!

- Vai pra casa, "fia", ou não vai ter outrachance... Não matei seu pai nem sua mãe, então vê se me esquece! :- respondeele procurando ignorá-la, e enxotando-a com gestos.

Ela chega ainda mais perto e o desafia:

- O que foi, machão? Não honra as calças que veste? Tácom medo de mim? Será que é um bundão?

O homem finalmente se irrita e diz, encostando o canodo revólver em sua testa:

- Então "cê tá querendo tomá um teco", né, vadia?

Ela assume um semblante tranquilo e fecha os olhos,devagar.

O homem não crê no que está acontecendo e hesita,porém sem tirar o dedo do gatilho.

- "Cê" vai me entregar? :- ele pergunta.

Ela permanece tranquila e responde, sem se alterar:

- Eu tô achando que você não é tudo o que sua feiúraaparenta, "boneca"... No fundo não passa de um mela cueca!

Após dizer isso, ela faz um movimento brusco, tentandoassustá-lo, e obtém sucesso.

Ele se enfeza de vez e dispara, alvejando-a em seguidamais duas vezes em outras partes vitais de seu corpo caído, agora apressado emsair do local.

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Ela se levanta e fica em pé com extrema facilidade eleveza, sem se importar nem um pouco com sua réplica de carne e osso prostrada alino chão.

Aproxima-se com graça do corpo etéreo de José, que aespera, feliz.

Eles se dão as mãos. Seus corpos agora, embora feitosde energia, reproduzem a mesma aparência e sensações táteis.

- Você está ótimo! :- diz ela.

- Não mais que você. :- responde ele. - Você me ouviu?

- Sim, senti que estava por perto... Foi aí que medecidi. Será que isso é errado?

- Como posso saber? Também sou um recém-chegado. - Nãocreio que haja o que temer; somos do bem, é o que conta. - Só lamento osofrimento daqueles que nos são queridos.

- Eu só queria continuar te ouvindo. :- diz ela,sorrindo, com um olhar inocente.

- Sim, mas você me chamou um pouco antes do"fato". O que é?

- Um beijo.

- Como?

- Eu queria lhe dar um beijo, Zé. Era isso.

- Era? Não quer mais? :- pergunta ele, encarando-a.

- Claro que quero!

Os dois lábios se entrelaçam num beijo longo efurioso, como se de carne fossem.

Em dado momento os dois como que caem em si e seentreolham, estupefatos e maravilhados perante o inusitado de sua recentíssima condição.

Retomam então a caminhada, de mãos dadas e emsilêncio.

- 0nde foi que paramos? :- pergunta ela de repente,como se não soubesse.

- Eu falava sobre tudo o que sinto por você...

- Ah, sim, sou "toda ouvidos", Zé... Nóstemos muito tempo, agora.

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O trabalho "Ainda te quero ouvir" de Luciano José de Azevedo está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

O Tombo de Vivi ✯por Elena Markus

HRM, 07.03.16
Arte de Pat Brennan


Vivianenunca se preocupara com a sua estranha inclinação para acidentes, mas Liliane,sua irmã gémea, irritava-se e chamava-lhe desastrada. Dizia-lhe sempre que elaprestasse mais atenção ao que fazia, se calhar, sofreria menos imprevistos.Vivi, era assim que lhe chamavam, não se importava. Sempre achara que eramestes imprevistos que transformavam a sua vida nalgo fascinante e merecedora deser vivida, mas, Lili, tinha uma perspetiva mais circunspecta e temperamentalnesta abordagem à vida.

Viviamava a irmã do fundo do seu coração, via-a como uma mulher de paixõesavassaladoras e tempestades impetuosas submetidas a um autocontrolo rigoroso.Uma caixinha de Pandora que Vivi não ousava abrir, mas com a qual contava paraa proteger e isso transmitia-lhe uma sensação de segurança que ela de bom gradoacolhia e que lhe permitia enfrentar com firmeza situações mais difíceis comoaquela que agora se lhes apresentava.

Alguémhavia telefonado para a florista, onde trabalhavam, a encomendar uma coroa deflores para entregar numa das mansões ali perto. Era um sítio meio escurinho emal-arranjado que lhe provocava arrepios sempre que por ali passava sozinha,mas desta vez a Lili estava com ela e por isso desaparecera o receio de cometeralgum engano. No entanto, mesmo tocando na campainha e batendo na porta dafrente, ninguém atendia. Liliane já havia começado a resmungar pela falta deconsideração, Viviane apenas achava que a casa era grande e simplesmente podiamnão ter ouvido. Também se arrependeu de manifestar verbalmente tal opiniãovisto o olhar fulminante da irmã ter indicado que tal afirmação, além dedescabida era, igualmente, insultuosa.

Apósuma breve troca de palavras sobre o destino da coroa de flores ambas concluíramque, independentemente, de uma querer se livrar da dita e outra querer que lhespagassem o que lhes era devido, o objetivo era comum. Tinham de entregar amalfadada coroa e estava claro que pela porta da frente não iria ser.

Vivifoi a primeira a aventurar-se pelo carreiro de pedra que conduzia às traseirasda mansão, logo seguida por uma irmã gémea visivelmente contrariada edesconfortável com toda a situação. Ainda não tinham começado a subir ospequenos degraus gastos que se encontravam do lado direito e as levaria à portatraseira quando o sussurro daquilo que lhes parecia um coro de vozes, vindo dofundo de um poço, lhes chamou a atenção. Imediatamente as duas pararam no meiodo caminho e os seus olhos procuraram a direção do som. Uns metros mais àfrente do sitio onde se encontravam havia uma clareira cinzenta, de ardecrépito e engalanada com folhas e galhos secos espalhados pelo chão, mas nãose vislumbrava nenhum poço. Vivi, que transportava a coroa de flores, encostou-aàs sebes que contornavam o caminho e deu um passo na direção do som, mas foiparada pela mão da irmã sobre o seu ombro.

-Oi! Tás doida? – perguntou Lili.

-Não. – respondeu vivi virando-se para a irmã – Tenho a certeza que há aligente, só ia dar uma espreitadela.

-Eu tenho a certeza que há gente ali também – retorquiu a gémea apontando nadireção da casa. – Podemos dar uma espreitadela ali primeiro.

-Já demos e ninguém abriu a porta.

-Mas ainda não experimentámos esta porta.

-E para que é que vamos bater àquela porta se as vozes vêm dali?

-Porque ali não há uma casa e aqui há? – revidou Lili.

-Não sejas tonta. E se estiver ali alguém a precisar de ajuda?

-Chamamos os bombeiros.

-Mas para isso alguém tem de lá ir ver, não? – rematou vivi retomando o caminhoda clareira.

Lilirebolou os olhos e suspirou. Normalmente, os desastres aconteciam quando a irmãsentia o desejo incontrolável de ajudar alguém que ela imaginava estar emapuros.

-Espera por mim. – Acabou por dizer seguindo-a.

Àmedida que Vivi se aproximava, o coro de vozes parecia soar mais perto. Nãoconseguia discernir a linguagem utilizada que mais se assemelhava a ecostrazidos pelo vento, mas vindos de onde? Parou, olhou em seu redor, mas nada.

 - Juro que não consigo perceber de onde vem osom. – disse ela intrigada esperando que a irmã se aproximasse.

-Deve ser o barulho dos galhos das árvores. – Retorquiu Lili. – Nada mais.

Paraseu descanso, o som desapareceu. Vivi descansou a palma das mãos nas ancas,permanecia intrigada, mas a irmã devia ter razão.

-Talvez. – Acabou por concordar hesitantemente virando-se para a irmã, que seaproximou dela agora com um ar mais descansado.

-Estás a ver. – Liliane sorriu estendendo-lhe a mão. – Eu disse-te que não havianada.

Maltinha tido tempo de terminar a frase quando o coro de vozes se elevou novamentee desta vez bastante mais próximo. Viviane soltou um guincho assustada e aomesmo tempo deu um passo atrás. O chão abriu-se debaixo dos seus pés e no calorda confusão que se seguiu apenas viu a sua gémea lançar-se para a frente eagarrar-lhe os pulsos com toda a força que conseguia reunir para não a deixarcair. Mas era tarde demais, o desequilíbrio provocado pelo tombo de Viviarrastou Lili involuntariamente para dentro do buraco.
 
 
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O trabalho O Tombo de Vivi de Elena Markus está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://anaozinho-de-jardim.blogspot.pt/.

Breve introdução ao conto da "Vivi e do Zeka"

HRM, 25.02.16
Ilustração de Bec Winnel


Ora bem, a pedido de várias famílias (neste caso, da Elena) e antes de publicar o pequeno conto da "Vivi e do Zeka", tenho de vos explicar um pouco do contexto em que decorre a história. Assim sendo, a trama (ou o drama) entre estas duas personagens vem na sequência de um jogo de Roleplay, que eu e a minha amiga jogávamos por email (e eu não era o mestre de jogo, felizmente).

Aquilo era uma coisa um bocado diferente, um universo bem alternativo derivado de uma mistura entre Dungeons&DragonsForgotten Realms, que começava no presente mas depois íamos todos parar à Terra da Fantasia, onde existia toda aquela panóplia de criaturas extraordinárias. Confesso que naquela altura não conhecia nada sobre os Drow (sim porque existem Drows na história), nem sabia o que é aquilo era mas, depois de participar nesta história passei a perceber mais um pouquinho.

Passemos então à explicação sobre quem era quem:
  • a Vivi (de seu nome Viviane e jogada pela minha amiga) era a irmã gémea da Lili (de seu nome Liliane e jogada por euzinha) e as moças trabalhavam numa florista. Nenhuma delas tinha grandes atributos, a Vivi era um doce de pessoa mas tinha uma enorme queda para o desastre. A Lili era ao contrário, não era inclinada para o desastre mas tinha um temperamento do cão.

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Arte de Mathia Arkoniel
  Zeka, foi o nome que demos a Zekaufein Noquana (uma personagem jogada por um outro jogador), um jovem Drow que queria ser um assassino (quando fosse grande e se não morresse entretanto) e que achava que a vida lhe corria mal porque não conseguia matar esquilos, nem qualquer outro tipo de animais - comumente - considerados fofinhos.

A verdade é que ele tinha toda razão para achar que a sua vida estava mal encaminhada porque, considerando os elevados standards obscuros da sociedade Drow, era um verdadeiro milagre o pobre Zeka ainda estar vivo. Como ele tinha consciência disto, assim quando lhe foi dada a oportunidade de ir à superfície - com um grupo - pilhar e saquear ele aproveitou. Era a hipótese que ele tinha para provar que, aos olhos da sua sociedade, não era nenhum inútil.

Portanto, quando ele achava que nada mais de errado lhe podia acontecer na vida e a partir de agora só podiam acontecer coisas boas, eis que lhe cai a Vivi em cima. Literalmente. Caiu a Vivi, caiu a Lili, caiu toda a gente.

Até hoje não sei muito bem qual era a ideia original do mestre de jogo mas, penso que ele não ponderou muito bem as consequências de ter uma personagem azarada na história. Tirando isso, foi um jogo bastante divertido até porque, de acordo com os relatos (de outros jogadores mais habituados a jogar com personagens Drow), nunca tinham visto nenhum Drow ser tão tripudiado com o pobre do Zeka.