As Nações hipócritas de Ha-Joon Chang
HRM, 24.03.15
«Tenho um filho com 6 anos. (...) Ele é sustentado por mim, mas é bem capaz de ganhar a vida. Forneço-lhe alojamento, alimentação, educação e cuidados de saúde. Porém milhões de crianças da sua idade já têm emprego. Daniel Defoe, no séc. XVIII, considerava que as crianças podiam ganhar a vida a partir dos quatro anos de idade.
Além disso o trabalho pode fazer-lhe muito bem. Atualmente, ele ...vive numa redoma económica sem noção do valor do dinheiro. Não tem a mínima noção do que a sua mãe e eu fazemos por ele, subsidiando a sua existência ociosa e afastando-o da dura realidade. Ele está superprotegido e precisa de ser exposto à concorrência e quanto mais cedo isso ocorrer, melhor será para o seu desenvolvimento futuro. O chicote irá mentalizá-lo para o trabalho árduo. Deveria tirá-lo da escola e arranjar-lhe um emprego. Talvez possa mudar-me para um país onde o trabalho infantil ainda é tolerado, ou mesmo legal, para lhe garantir mais opções de emprego.
Já oiço o leitor a pensar que devo estar louco. Que sou míope. Cruel. Que o que tenho a fazer é proteger e criar a criança. Se o meter no mercado de trabalho aos seis anos de idade, ele pode tornar-se um engraxador experiente quando for mais rapaz ou mesmo um vendedor ambulante próspero, mas nunca irá tornar-se um cirurgião ou um físico nuclear - o que exigiria pelo menos mais uma dúzia de anos de proteção e investimento da nossa parte. (...) Afinal, se estiver certo, teria sido melhor para Oliver Twist continuar a roubar carteiras ao serviço de Fagin do que de ser resgatado pelo bom samaritano Brownlow, o qual, equivocadamente, privou o rapaz da possibilidade de continuar a ser competitivo no mercado de trabalho.» - in As Nações Hipócritas de Ha-Joon Chang.
Um livro absolutamente brilhante, inteligente e sem dúvida bastante provocador sobre uma temática actual que nos toca a todos. A economia.